Em artigo
bastante contundente e expressivo, Errico Malatesta,
discípulo italiano do russo Bakunin, discorre sobre o que é
e o que se deve fazer "Rumo à Anarquia".
Em primeiro lugar, deve-se desprezar
concepções errôneas segundo as quais "anarquia" seria
sinônimo de "bagunça". Anarquia é ausência de governo e
mesmo de atividade parlamentar; que os agentes políticos
devem atuar diretamente em busca de manter e ampliar todas
as formas de participação nos aspectos decisórios da
sociedade em que vivem. Ação Direta, aliás, é o nome que
adotam várias organizações anarquistas pelo mundo afora.
Diz-nos Malatesta em seus "Escritos
Revolucionários" que "Se quiséssemos substituir um governo
por outro, isto é, impor nossa vontade aos outros, bastaria,
para isso, adquirir a força material indispensável para
abater os opressores e colocarmo-nos em seu lugar *
Mas, ao contrário, queremos a Anarquia, isto é, uma
sociedade fundada sobre o livre e voluntário acordo, na qual
ninguém possa impor sua vontade a outrem, onde todos possam
fazer como bem entenderem e concorrer voluntariamente para o
bem-estar geral. Seu triunfo só poderá ser definitivo quando
universalmente os homens não mais quiserem ser comandados ou
comandar outras pessoas e tiverem compreendido as vantagens
da solidariedade para saber organizar um sistema social no
qual não mais haverá qualquer marca de violência ou coação".
A atividade do anarquista, do
socialista utópico (em sua sublime acepção de conquista da
Esperança possível) não é violenta nem repentina, mas
gradual, pedagógica, passo a passo.
"Não se trata de chegar à anarquia
hoje, amanhã ou em dez séculos, mas caminhar seguramente
rumo à anarquia hoje, amanhã e sempre. A anarquia é a
abolição do roubo e da opressão do homem pelo homem, quer
dizer, abolição da propriedade privada dos meios materiais e
espirituais de produção e do governo formal; a anarquia é a
destruição da miséria, da superstição e do ódio entre as
pessoas. Portanto, cada golpe desferido nas instituições da
propriedade privada dos meios de produção e do governo é um
passo rumo à anarquia. Cada mentira desvelada, cada parcela
de atividade humana subtraída ao controle da autoridade,
cada esforço tendendo a elevar a consciência popular e a
aumentar o espírito de solidariedade e de iniciativa, assim
com a igualar as condições é um passo a mais rumo à
anarquia."
Os surrealistas, que há anos estão
unidos aos anarquistas afirmam ainda que cada vez que um
casal se une e sua união não é uma fancaria, mas a autêntica
expressão do verdadeiro amor entre duas pessoas que se
completam plenamente, ocorre mais um abalo no que chamam de
"gigantesca caserna" em que se tornou a sociedade
industrial. "O ocidente é um acidente!" denuncia Roger
Garaudy em "Apelo aos Vivos" com a autoridade de quem sempre
esteve nos pontos mais avançados de defesa política e
filosófica do que promove o humano no mundo.
Seguindo com Malatesta: "Não podemos,
de pronto, destruir o governo existente, talvez não possamos
amanhã impedir que sobre as ruínas do atual governo um outro
surja: mas isto não nos impede hoje, assim como não nos
impedirá amanhã, de combater não importa que governo,
recusando-nos a submetermos à lei sempre que isto seja
contrário aos nossos imperativos de consciência. Toda a vez
que a autoridade é enfraquecida, toda a vez que uma grande
parcela de liberdade é conquistada e não mendigada, é um
progresso rumo à anarquia. Da mesma forma, também é um
progresso toda a vez que consideramos o governo como um
inimigo com o qual nunca se deve fazer trégua, depois de nos
termos convencido que a diminuição dos males por ele
engendrados só é possível pela redução de suas atribuições e
de sua força, não pelo aumento no número de governantes ou
pelo fato de serem eles eleitos pelos governados. E por
governo entendemos todo o indivíduo ou grupo de indivíduos,
no Estado, Conselhos etc. que tenha o direito de fazer impor
leis injustas sobre quem com elas não concorda".
Contundente e radical, repita-se,
Malatesta e toda a tradição anarquista que lhe segue proporá
a chegada a um governo auto-gestionário, do qual todos
possam participar livremente. Um sistema auto-gestionário
que possibilite participar livre e alegremente de todo o
processo decisório e de execução do que terá sido decidido
coletivamente, para que se chegue ao maior aperfeiçoamento
social promotor do humano no mundo. Toda a vitória, por
menor que seja, dos trabalhadores sobre as classes
patronais, todo o esforço contra a exploração do homem pelo
homem, toda a parcela de riqueza subtraída aos proprietários
e posta à disposição daqueles que a geraram, toda a união
amorosa plena entre duas pessoas que se amam intensa e
sinceramente, tudo o que se fizer para melhorar as condições
existenciais da maioria enfim, será mais um progresso, mais
um passo rumo à anarquia, "este sonho de justiça e de amor
entre os homens..."
Lázaro Curvêlo Chaves - Primavera de 2000